terça-feira, 28 de maio de 2013

Nunca existiu proibição do casamento homoafetivo na lei brasileira

por Frederico Oliveira

Ainda não consigo entender porque alguns juristas insistem em afirmar que o casamento é um direito privativo dos heterossexuais. Essa afirmação não é verdadeira ou é fruto de uma interpretação repleta de preconceito que externaliza uma discriminação que a lei não declarou expressamente.

Vejamos então como o casamento é disciplinado na lei brasileira.  

Temos três leis que mencionam o casamento como instituto jurídico que integra, uma das formas, do direito do cidadão brasileiro constituir família. 

A primeira das leis é a Constituição de 1988 que, como carta política, define as normas fundamentais e a estrutura do Estado. Como no Brasil fizemos a opção de uma norma constitucional analítica, ela acabou tratando do casamento, não no sentido de regulá-lo, mas apenas de mencioná-lo como uma das formas de se constituir família a ser protegida pelo Estado. O teor da norma constitucional não traz qualquer proibição que possa levar a interpretação de que o casamento somente pode ser realizado entre um homem e uma mulher, o que não há nada de expresso nesse sentido. 

O Código Civil como a lei que regula a essência do direito privado no Brasil é quem tem a atribuição de regular o casamento como um dos institutos jurídicos do Direito de Família. Nessa lei, o casamento é definido como o negócio jurídico que "estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges" (art. 1511), sendo civil e gratuita a sua celebração (art. 1512). A referida lei não impõe a diversidade de sexo como requisito para o casamento e não faz qualquer menção expressa de que contraentes do mesmo sexo configuraria impedimento, causa suspensiva ou causa para sua invalidação, conforme pode se constatar da leitura dos respectivos dispositivos transcritos abaixo. 

Não bastasse isso, o processo de habilitação para o casamento e a realização da cerimônia, regulados no Código Civil nos arts. 1525 a 1542 e mais especificamente pela Lei de Registros Públicos (Lei 6015/63), nos arts. 67 a 76 que regula os atos dos registros públicos a que se enquadra o registro civil, denominam as pessoas que se casarão como "nubentes" ou "contraentes", sem fazer exigência de que essas pessoas sejam de sexo diferente.
Como escrevi em postagem anterior, os juristas conservadores, apegados a uma interpretação literal descontextualizada, que não atende a nossa moldura constitucional, utilizam o art. 1.514 do Código Civil para dizer que o casamento é privativo dos heterossexuais. O referido dispositivo determina que "o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal e o juiz os declara casados." Ora, se a lei não define que o casamento é direito privativo dos heterossexuais, nem proíbe ou impõe impedimento ao casamento homoafetivo, vejo que a referência à expressão "homem e a mulher" não é de maneira alguma suficiente para impedir ou restringir a capacidade de pessoas do mesmo sexo manifestarem o consentimento para a realização dessa cerimônia. Nesse aspecto, a intenção do legislador foi marcar a necessidade de manifestação expressa, livre e desimpedida dos nubentes, como requisito exigível para a realização desse pacto repleto de formalidades, assim como as exigências de que a cerimônia deve ser realizada às portas abertas, na presença de testemunhas etc.

Homossexuais são plenamente capazes para realizarem negócios jurídicos e estão aptos a celebrarem todo e qualquer tipo de contrato expresso no Código Civil. Qualquer referência contrária a isso me afigura discriminatória na medida em que coloca os homossexuais na condição de absolutamente incapazes de realizarem apenas o negócio jurídico do casamento que na configuração de um Estado laico não se confunde de forma alguma com o casamento religioso ao qual as religiões tem ampla liberdade de disciplinar de acordo com seus dogmas e convicções. 


A habilitação e a celebração do casamento civil é feita perante o registro civil que está vinculado aos Tribunais de Justiça estaduais, órgãos integrantes do Poder Judiciário, que tem o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como órgão máximo de controle, regulação e fiscalização dos atos administrativos , conforme dispõe o art. 103-B, §4º, I e II da Constituição de 1988.

Ora, se o registro civil que realiza a habilitação e o registro do casamento está vinculado ao CNJ, órgão que detém o controle máximo dos atos administrativos de todos os órgão do Poder Judiciário, vejo que a Resolução 175 de 14 de maio de 2013 apenas cumpriu a missão constitucional do referido Conselho de zelar pela legalidade dos atos administrativos a que se insere a atribuição dos registros públicos que realizam a habilitação e o registro do casamento civil (art. 103-B, § 4º, I e II CRFB/88).

O que o CNJ fez foi extirpar, pela via de um ato regulamentar, a discriminação impeditiva dirigida aos homossexuais, fruto da tradição de padrões desconectados da realidade e dos avanços sociais. A resolução não é lei em sentido estrito, mas um ato administrativo que visa garantir a aplicabilidade e eficácia nos limites da lei elaborada pelo Poder Legislativo. Como não há proibição ou impedimento do casamento homoafetivo, não há que se falar em invasão ou usurpação de competência legislativa, pois a resolução em tela, regulamentou  obedecendo os estritos limites da lei sem esbarrar em qualquer dos impedimentos e proibições nela contida. Ademais, o referido ato regulamentar está vinculado à interpretação conforme a Constituição deduzida pelo STF, no ano de 2011, ao reconhecer que na união homoafetiva deve ser aplicada as mesmas regras e consequências para as união heterossexual. 

O que tivemos no caso foi uma adequação do procedimento do casamento, decorrente da força normativa da nossa ordem constitucional que proíbe toda e qualquer discriminação. Não houve inovação no ordenamento jurídico, nem invasão no núcleo essencial da função precípua do legislativo, muito menos o esvaziamento dessa função, afinal de contas, o casamento já existia como instituto regulado pelo Código Civil e pela Lei de Registros Públicos, houve apenas uma adequação da aplicabilidade dessas leis no mundo fático de modo a atender a nossa moldura constitucional. 

O ato administrativo proferido pelo CNJ na sua missão de zelar  pela legalidade dos atos privativos do Poder Judiciário, demonstra a maturidade do constitucionalismo brasileiro alcançada na medida em que os responsáveis pela administração da justiça passaram a enxergar que é inadmissível negar direitos às pessoas em razão da sua orientação sexual. 





CAPÍTULO III
Dos Impedimentos
Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Art. 1.522. Os impedimentos podem ser opostos, até o momento da celebração do casamento, por qualquer pessoa capaz.
Parágrafo único. Se o juiz, ou o oficial de registro, tiver conhecimento da existência de algum impedimento, será obrigado a declará-lo.
CAPÍTULO IV
Das causas suspensivas
Art. 1.523. Não devem casar:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.
Art. 1.524. As causas suspensivas da celebração do casamento podem ser argüidas pelos parentes em linha reta de um dos nubentes, sejam consangüíneos ou afins, e pelos colaterais em segundo grau, sejam também consangüíneos ou afins.
(....)
CAPÍTULO VIII
Da Invalidade do Casamento
Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:
I - pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II - por infringência de impedimento.
Art. 1.549. A decretação de nulidade de casamento, pelos motivos previstos no artigo antecedente, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público.
Art. 1.550. É anulável o casamento:
I - de quem não completou a idade mínima para casar;
II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;
III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;
IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;
V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;
VI - por incompetência da autoridade celebrante.
Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada.
Art. 1.551. Não se anulará, por motivo de idade, o casamento de que resultou gravidez.
Art. 1.552. A anulação do casamento dos menores de dezesseis anos será requerida:
I - pelo próprio cônjuge menor;
II - por seus representantes legais;
III - por seus ascendentes.
Art. 1.553. O menor que não atingiu a idade núbil poderá, depois de completá-la, confirmar seu casamento, com a autorização de seus representantes legais, se necessária, ou com suprimento judicial.
Art. 1.554. Subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a competência exigida na lei, exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e, nessa qualidade, tiver registrado o ato no Registro Civil.
Art. 1.555. O casamento do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal, só poderá ser anulado se a ação for proposta em cento e oitenta dias, por iniciativa do incapaz, ao deixar de sê-lo, de seus representantes legais ou de seus herdeiros necessários.
§ 1o O prazo estabelecido neste artigo será contado do dia em que cessou a incapacidade, no primeiro caso; a partir do casamento, no segundo; e, no terceiro, da morte do incapaz.
§ 2o Não se anulará o casamento quando à sua celebração houverem assistido os representantes legais do incapaz, ou tiverem, por qualquer modo, manifestado sua aprovação.
Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.
Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;
II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;
III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;
IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.
Art. 1.558. É anulável o casamento em virtude de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares.
Art. 1.559. Somente o cônjuge que incidiu em erro, ou sofreu coação, pode demandar a anulação do casamento; mas a coabitação, havendo ciência do vício, valida o ato, ressalvadas as hipóteses dos incisos III e IV do art. 1.557.
Art. 1.560. O prazo para ser intentada a ação de anulação do casamento, a contar da data da celebração, é de:
I - cento e oitenta dias, no caso do inciso IV do art. 1.550;
II - dois anos, se incompetente a autoridade celebrante;
III - três anos, nos casos dos incisos I a IV do art. 1.557;
IV - quatro anos, se houver coação.
§ 1o Extingue-se, em cento e oitenta dias, o direito de anular o casamento dos menores de dezesseis anos, contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade; e da data do casamento, para seus representantes legais ou ascendentes.
§ 2o Na hipótese do inciso V do art. 1.550, o prazo para anulação do casamento é de cento e oitenta dias, a partir da data em que o mandante tiver conhecimento da celebração.
Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.
§ 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.
§ 2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.
Art. 1.562. Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de separação judicial, a de divórcio direto ou a de dissolução de união estável, poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos, que será concedida pelo juiz com a possível brevidade.
Art. 1.563. A sentença que decretar a nulidade do casamento retroagirá à data da sua celebração, sem prejudicar a aquisição de direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a resultante de sentença transitada em julgado.
Art. 1.564. Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este incorrerá:
I - na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente;
II - na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no contrato antenupcial.

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